11 de abril de 2012

Retirar o crucifixo das repartições públicas?


 Rute Costa pergunta: por que querem tirar o crucifixo das repartições públicas, tribunais....?

Joel Pinheiro da Fonseca, mestrando em Filosofia, é diretor da revista cultura Dicta&Contradicta, Gazeta do Povo – PR, escreveu muito bem sobre isso num artigo intitulado "O crucifixo no banco dos réus".
Acredito que aqui, Rute, você encontre uma bonita resposta. Eis o texto:
"Estão tirando os crucifixos dos tribunais. Tudo em nome do Estado laico. Não sou jurista; não sei dizer se o crucifixo viola nossa legislação. Proponho, então, analisar o conceito de Estado laico e comparar diferentes aplicações possíveis dele à luz da razão.
Estado laico é aquele que não tem vínculos institucionais com nenhuma religião e que é regido por leis cuja autoridade não se deriva de nenhum artigo de fé. Isso convive muito bem com expressões de fé, pois o Estado pode reconhecer que diversas crenças são socialmente positivas e de acordo com os valores do próprio Estado, e assim acolhe suas manifestações. o caso dos EUA, primeiro Estado laico e que mantém uma estrita separação entre governo e igrejas: lá não se vê contradição entre a laicidade e o fato do presidente participar de orações públicas (embora em outras áreas um secularismo mais raivoso esteja ganhando espaço). Obama, no último National Prayer Breakfast, afirmou que sua fé cristã está por trás de suas visões sobre a economia. Nada disso compromete a Constituição ou a total isenção dos tribunais.
O Estado laico benevolente reconhece sua própria história e tradições, sem por isso torná-las normativas. A fé ou ausência dela é uma questão individual que naturalmente transborda para a arena pública. Impedir esse movimento natural é impedir que os homens vivam de acordo com suas crenças.
A alternativa ao laicismo harmônico é o antagônico. Para esse Estado laico (ou seria ateu?), a religião não existe e não deve chegar perto dele. Portanto, tirem-se os crucifixos dos tribunais. Abolam-se também os feriados religiosos – Páscoa e Natal inclusos, claro – bem como o descanso de domingo. Mudemos os próprios nomes dos dias da semana, que, em português, seguem a nomenclatura dada pela Igreja; criemos nomes laicos. Tiremos também as marcas não cristãs, como a estátua da Justiça personificada com sua balança, que nossa sociedade, quando era oficialmente cristã, nunca fez questão de erradicar, mas que é inaceitável para o novo ideal de laicidade. Criemos a ficção de que a cultura e as instituições públicas sejam perfeitamente separáveis.
Voltando à sanidade, há bons motivos para o crucifixo figurar no tribunal? Há. O primeiro é que nossa sociedade é, histórica e atualmente, cristã. Seus símbolos são parte de nossa cultura. Isso não impede, inclusive, que símbolos de outras religiões também integrem o tribunal de uma região em que sejam relevantes.
Ademais, nossa tradição jurídica passa pelo cristianismo e pela Igreja Católica. Nossas ideias de justiça e de que todos os seres humanos são iguais, independentemente de raça, sexo ou classe social, têm origem cristã. Também não foram poucos os esforços da Igreja romana em substituir os verdadeiramente bárbaros julgamentos por ordália (os famosos testes de inocência ou culpa que dependiam de algum efeito natural) dos povos convertidos pelo julgamento racional com evidências e testemunhas. E por mais incrível que pareça, os tribunais eclesiásticos foram pioneiros em coibir a confissão sob tortura.
Nada disso nega ou diminui a importância do direito romano, originado numa civilização não cristã, e cujos símbolos continuam a povoar nossos tribunais e a colorir nosso mundo jurídico. Por essas e outras influências, aqui estamos nós e nossas instituições. Por que não celebrar sua história e seu presente?
Há quem veja no crucifixo um fator ofensivo a não cristãos. Supondo que alguém de fato se ofenda, isso revela mais sobre ele, e sobre a fragilidade vaidosa que nossa sociedade tem cultivado, do que sobre o crucifixo. A Justiça brasileira já não depende da fé cristã para que aceitemos seus critérios. Ir além disso e retirar o símbolo da religião que se coaduna a esses critérios é exigir que toda uma cultura se apague só para que eu não seja, em momento algum, lembrado da existência de credos que não professo.
O Estado laico não precisa ser inimigo da religião, e nem precisa fingir que ela não existe. Faz todo sentido que os crucifixos estejam nos tribunais, embora não seja nenhum crime contra a humanidade se eles não estiverem. Que isso tenha virado questão é mais sério, por ilustrar o caráter beligerante de nosso secularismo, do que a questão em si."
O que mais podemos acrescentar?

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